Quando os ânimos se exaltam e o desequilíbrio emocional se junta à raiva e a maldade é certo, que os crimes contra a honra são inevitáveis. Muitas pessoas confundem críticas com calúnia, difamação e injúria. Nesse contexto, é possível juridicamente praticar os três crimes de uma só vez? Sobretudo quando alguém divulga carta com dizeres que configuram os referidos delitos. E os trechos utilizados para caracterizar o crime de calúnia forem diversos dos empregados para demonstrar a prática do crime de difamação? Essa hipótese foi resolvida pelo Superior Tribunal de Justiça nos autos do Recurso Especial n.º 41.527/RJ.
Foi ofertada queixa-crime contra uma pessoa pela prática dos delitos previstos nos artigos 138, 139 e 140, combinados com o artigo 140, inciso III, todos do Código Penal. Ela teria iniciado uma campanha de divulgação de calunias, injúrias e difamações contra a vítima, dando publicidade a atos praticados por terceiros, e atuando de forma independente e autônoma, empreendendo conduta, que teria como principal objetivo denegrir a imagem e atingir a honra da vítima.
Tais atos, inicialmente eram perpetrados na surdina, junto a algumas pessoas em um condomínio, depois teriam alcançado grandes proporções, culminando com carta assinada pela acusada, que foi distribuída por cópia a todos os moradores de um condomínio.
O conteúdo da carta seria agressivo, e seu explícito teor não deixaria dúvidas sobre a prática de crimes contra a honra da vítima, razão pela qual seria inequívoca a materialidade delitiva e, tendo em conta a assinatura da querelada em todas as páginas, dúvidas não haveria quanto à autoria.
A querelada teria praticado o crime de calúnia ao imputar falsamente ao querelante, por meio da referida carta distribuída aos condôminos de seu edifício, fatos previstos como crime, dentre os quais o de formação de quadrilha, apropriação indébita, falsidade ideológica e estelionato.
Após narrar todas as expressões e frases que confirmariam o cometimento dos ilícitos, não haveria dúvidas sobre a intenção da querelada, já que tais colocações, evidentemente caluniosas, tornadas públicas pelo comunicado dirigido a todos os moradores do prédio, só́ poderia caracterizar a prática do delito descrito no artigo 138 do Código Penal, com a incidência da majorante prevista no artigo 141, inciso III, parte final, do mesmo diploma legal, uma vez que o meio por ela utilizado, teria permitido a maior facilidade de divulgação das ofensas. Na mesma carta a querelada também teria difamado o querelante, ao imputar-lhe fato ofensivo à sua reputação.
Ainda que diversas ofensas tenham sido assacadas por meio de uma única carta, a simples imputação ao acusado dos crimes de calúnia, injúria e difamação, não caracteriza ofensa ao princípio que proíbe o bis in idem, já que os crimes previstos nos arts. 138, 139 e 140 do CP tutelam bens jurídicos distintos, não se podendo asseverar de antemão, que o primeiro absorveria os demais.
Com efeito, enquanto os tipos previstos nos artigos 138 e 139 do Código Penal visam a tutelar a honra objetiva do indivíduo, o constante do artigo 140 protege o sentimento e a concepção que as pessoas têm de si próprias.
Constatado que diferentes afirmações constantes da missiva, foram utilizadas para caracterizar os crimes de calúnia e de difamação, não se pode afirmar que teria havido dupla persecução pelos mesmos fatos. Ainda que os dizeres também sejam considerados para fins de evidenciar o cometimento de injúria, o certo é que essa infração penal, por tutelar bem jurídico diverso daquele protegido na calúnia e na difamação, a princípio, não pode ser por elas absorvido.
Portanto, decidiu o STJ que em um único ato podem ser cometidos ao mesmo tempo e distintamente os crimes de injúria, calúnia e difamação. Dai o alerta para quem escreve ou fala o que bem entende de outra pessoa, sobretudo quando fica nítido o objetivo de prejudicar a imagem e a honra.
Denis Farias é advogado
E-mail: denisadvogado@hotmail.com
Artigo publicado no Jornal "O Liberal", Caderno Atualidades, pág. 02, Sábado 11.05.15.
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