sábado, 30 de agosto de 2014

A Idade do Sexo

Qual a idade legal para que o ato sexual, de livre vontade, não seja considerado crime, não seja considerado estupro? Uma adolescente narrou que manteve relacionamento íntimo com o padrasto por diversas vezes, sempre de forma consentida, pois gostava dele.

Ele foi absolvido em 2009 pelo juízo de primeiro grau, que entendeu-se que a menor não foi vítima de violência presumida. Ficou provado nos autos que ela se mostrou determinada para consumar inclusive coito anal. Sem coação, ameaça, violência ou temor, quis inclusive repetir por seguidas vezes...

Houve recurso para o Tribunal de Justiça, que manteve a absolvição, levando em consideração que a vítima confirmou o relacionamento íntimo por diversas vezes, pois gostava dele. Assim, o consentimento da menor, ainda que influenciado pelo desenvolvimento da sociedade e dos costumes, justificava a manutenção da absolvição.

Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso para Superior Tribunal de Justiça, que sopesou por outros ângulos. Analisando se foi aplicado corretamente o artigo 224, alínea “a”, do Código Penal – vigente à época dos fatos –, segundo o qual a violência é presumida quando a vítima não tem mais de 14 anos.

Responde por estupro, o agente que, mesmo sem violência real, e ainda que, mediante anuência da vítima, mantém relações sexuais, ou qualquer ato libidinoso, com menor de 14 anos. Para a Corte Especial, do ponto de vista jurídico, sociológico ou humanístico, os fundamentos utilizados para absolver o réu distanciam-se da nova ordem constitucional e dos novos contornos da política de proteção integral a crianças e adolescentes assumidos no Brasil e no mundo.

De um Estado ausente e um direito penal indiferente à proteção da dignidade sexual de crianças e adolescentes, evoluímos para uma política social e criminal de redobrada preocupação com o saudável crescimento físico, mental e afetivo do componente infanto-juvenil da população.

Logo, anacrônico o discurso que tenta contrapor a evolução dos costumes e a disseminação mais fácil de informações à natural tendência civilizatória de proteger crianças e adolescentes, e que acaba por expor pessoas ainda imaturas, em menor ou maior grau, a todo e qualquer tipo de iniciação sexual precoce.
Irrelevante o fato de a vítima ser etiquetada de adolescente desvencilhada de ingenuidades e preconceitos, segura e informada sobre os assuntos da sexualidade e ciente do que fazia. O vínculo afetivo que a vítima nutria por seu padrasto, não afasta a incidência do Direito Penal.

Do contrário, legitimar-se-ia o sexo entre adultos, adolescentes e crianças. Desconsiderar-se-ia a gravidade e a dimensão da violência sexual intrafamiliar, já tão corrente. Reproduziríamos um padrão de comportamento judicial tipicamente patriarcal, amiúde observado em processos por crimes dessa natureza, nos quais o julgamento recai inicialmente sobre a vítima para somente a partir daí julgar-se o réu.

Na Corte prevaleceu o entendimento de que a presunção de violência nos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, contra menores de 14 anos, prevista na redação do Código Penal vigente até 2009, tem caráter absoluto. O limite de idade constitui critério objetivo para se verificar a ausência de condições de anuir com o ato sexual.

A presunção de violência é absoluta nos crimes cometidos antes da vigência da Lei 12.015/09. A partir dessa Lei, que modificou o Código Penal em relação aos crimes sexuais, o estupro, sexo vaginal mediante violência ou ameaça, e o atentado violento ao pudor, outras práticas sexuais, foram fundidos em um só tipo, o crime de estupro.

Também desapareceu a figura da violência presumida, e todo ato sexual com pessoas menores de 14 anos passou a configurar estupro de vulnerável. Portanto, o STJ reformou decisão do Tribunal de Justiça e deu provimento ao recurso para condenar o padrasto pela prática do crime de atentado violento ao pudor.

Denis Farias é advogado
E-mail denisadvogado@hotmail.com
Artigo publicado no Jornal O Liberal, Cadernos Atualidades, pág. 02, sábado 30 de Agosto de 2014.

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