A vida imita a arte ou a arte imita a vida? Em algumas situações devemos pensar bem antes de responder tal indagação! Falar sobre barriga de aluguel seria algo fictício, não fosse uma curiosa demanda judicial julgada pela mais alta corte infraconstitucional do país.
Na hipótese de uma criança nascer por ocasião de uma “barriga de aluguel” deve ser mantido com o pai que a registrou, ou com a mãe biológica, que a gerou no ventre?
Uma criança havia sido registrada como filha do “pai de aluguel” e da mãe biológica, uma prostituta. Desde os sete meses de idade, ela convivia com o pai registral e sua esposa, que não tinha condições de engravidar.
O Ministério Público paranaense ao tomar conhecimento do fato, apontou ter havido negociação da gravidez aos sete meses de gestação. Logo, moveu ação para decretar a perda do poder familiar da mãe biológica e anular o registro de paternidade. O Judiciário do Paraná julgou procedentes os pedidos e determinou a busca e apreensão da criança menor de cinco anos, determinando que devesse ser levada a um abrigo e submetida à adoção regular.
Contudo, há que se ressaltar uma questão: o melhor interesse da criança! Deve ser apurado sempre se a criança é criada com amor. A partir de então é que o Estado deve assegurar seus direitos, inclusive no que tange a adoção.
A adoção de crianças envolve interesses de diversos envolvidos: dos adotantes, da sociedade em geral, do Ministério Público, dos menores. Sobretudo quando o tema envolve o direito de filiação, com consequências para toda a vida do indivíduo, deve prevalecer sempre o interesse do menor.
Nesse contexto o vinculo afetivo ganha destaque fundamental. Se a criança vive pacificamente com o pai registral desde os sete meses de vida, e ainda passado quase cinco anos, impedir a adoção será que não iria retirar dela o direito à proteção integral e à convivência familiar?
Com a decisão do judiciário paranaense, a criança seria retirada do lar onde recebe cuidados do pai registral e esposa e transferida a um abrigo, sem nenhuma garantia de conseguir recolocação em uma família substituta. Além disso, passaria por traumas emocionais decorrentes da ruptura abrupta do vínculo afetivo já existente.
Certamente o tribunal paranaense não considerou o vínculo afetivo, apenas porque o tempo de convivência seria pequeno, de pouco mais de dois anos à época da decisão.
Portanto, diante desse entendimento o pai que registrou a criança interpôs recurso especial para o Superior Tribunal de Justiça, que teve ainda que apreciar uma medida cautelar no plantão judicial.
Na visão do STJ, ainda que toda a conduta do recorrente tenha sido inapropriada, somado ao fato de que caberia a ele se inscrever regularmente nos cadastros de adoção, tal atitude inadequada do recorrente não pode ter o condão de prejudicar o interesse do menor de maneira tão drástica, e nem de longe pode ser comparada com subtração de crianças.
Até então, a questão vinha sendo resolvida praticamente com enfoque na conduta dos pais (a mãe biológica e o pai registral), enquanto o interesse do menor foi visivelmente colocado em segundo plano.
De acordo com os depoimentos dos envolvidos, a má-fé vislumbrada pelo Judiciário do Paraná consistiu apenas no pagamento de medicamentos e alugueis pelo pai registral à mãe biológica, que não estava em condições de trabalhar. Não houve reconhecimento de ajuda financeira direta.
Entretanto, na Corte Especial, o foco concentrou-se na analise da questão do ponto de vista do interesse real da criança, sem configurar tolerância com a “adoção à brasileira”, ou seja, informal.
A criança não pode ser penalizada pelas condutas dos pais, mesmo que irregulares. Com esse entendimento, nos autos do recurso relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, foi determinado que a criança deveria retornar e ficar com o pai, que teria “alugado a barriga” da mãe biológica.
Denis Farias é advogado
Email: denisadvogado@hotmail.com
Artigo publicado no Jornal O Liberal, Caderno Atualidades, pág. 02, Sábado, 18/01/2014
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