sábado, 18 de janeiro de 2014

Direito de Habitação

A companheira tem direito de habitação, ou seja, de permanecer no imóvel que serviu de moradia ao casal, após a morte do companheiro, mesmo ele ainda sendo casado com outra mulher?
Um espólio, representado pela esposa do falecido, requereu a desocupação do imóvel argumentando que, como o óbito ocorreu em julho de 2004, a questão deveria ser julgada no âmbito do Código Civil de 2002, que ao disciplinar a matéria da sucessão do convivente não contemplou a companheira como destinatária do direito real de habitação.

Argumentou, ainda, que a Constituição Federal estimula a conversão da união estável em vínculo matrimonial formal. Mas não igualou as duas situações quando há impedimento para o casamento, como no caso em discussão, em que o matrimônio permanecia.

Também sustentou que o novo Código Civil restringiu à esposa o direito de habitação, de modo que reconhecê-lo à companheira importaria colocá-la em vantagem. De acordo com os autos, a esposa reside em outro imóvel deixado pelo marido falecido, de quem estava separada de fato desde 1983.

A discussão teve o ultimo capítulo no Superior Tribunal de Justiça. Segundo o Tribunal, a Lei nº 9.278/96, que previu expressamente o direito real de habitação, também aos companheiros, consagrando a concepção constitucional de união estável como entidade familiar, foi tacitamente revogada pelo novo Código Civil, que regulou completamente a matéria. Contudo, em seu art. 1.790 não contemplou o direito real de habitação, aos companheiros em união estável.

No entanto, a despeito desse entendimento, o STJ já decidiu que a disciplina geral promovida pelo Código Civil acerca do regime sucessório dos companheiros, não revogou as disposições constantes da Lei nº 9.278, nas questões em que verificada a sua compatibilidade.

A Jurisprudência do STJ é no sentido que a legislação especial, ao conferir direito real de habitação ao companheiro sobrevivente, subsiste diante da omissão do Código Civil, em disciplinar tal direito àqueles que convivem em união estável.

Entende-se que o art. 1.790 do novo código civil tem despertado intensos debates, por contrariar a evolução do direito construída ao amparo da Constituição de 88, e ignorar conquistas dos companheiros em união estável, fugindo assim ao espírito constitucional. Nesses termos, é cabível até mesmo a decretação da inconstitucionalidade do art. 1.790. Portanto, foi rechaçada a tese de que não seria possível reconhecer o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente.

Vale destacar o Enunciado nº 117 da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal: "O direito real de habitação deve ser estendido ao companheiro, seja por não ter sido revogada a previsão da Lei nº 9.278, seja em razão da interpretação analógica do art. 1.831, informado pelo art. 6º, caput, da Constituição de 88."

Logo, não prosperou a tese sustentada pelo espólio, de que a concessão do direito real de habitação à companheira do falecido comprometeria a herança legítima dos herdeiros. Pois, o direito real de habitação não afeta o direito de propriedade, por tratar-se de direito de fruição reduzido, que consiste no poder de ocupação gratuita de casa alheia.

Portanto, o direito real de habitação sobre o imóvel que servia de residência do casal, deve ser conferido ao cônjuge/companheiro sobrevivente, não apenas quando houver descendentes comuns, mas também quando concorrerem filhos exclusivos do de cujos, como nesse caso.

Logo, foi negado provimento ao recurso da esposa e mantido o direito real de habitação, concedido à companheira em relação ao imóvel em que o casal residia. Assegurado, portanto, à companheira sobrevivente o direito real de habitação sobre o imóvel, que serviu de moradia ao casal durante 14 anos de união estável.

Denis Farias é advogado
Email: denisadvogado@hotmail.com
Artigo publicado também no Jornal O Liberal, Caderno Atualidades, Sábado, 11/01/14, pág. 02

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