Se um casal formalizar por escritura pública, no início da união estável, a concordância na dispensa à assistência material mútua, e sobrevindo o fim do relacionamento e a dissolução da sociedade conjugal, pode um pedir pensão alimentícia para o outro?
Precedentes do Superior Tribunal de Justiça deixaram claro que a renúncia aos alimentos é perfeitamente cabível, quando é feita ao término da relação conjugal. Naqueles casos, o entendimento aplicado foi no sentido de que, após a homologação do divórcio, não pode o ex-cônjuge pleitear alimentos, se deles desistiu expressamente por ocasião do acordo de separação consensual.
No presente caso, a hipótese é de prévia dispensa dos alimentos, firmada durante a união estável, ou seja, quando ainda existentes os laços conjugais que, por expressa previsão legal, impõem aos companheiros, reciprocamente, o dever de assistência mútua. Observe-se que a assistência material constitui tanto um direito, como uma obrigação para os conviventes, conforme art. 2º, II, da Lei 9.278/1996 e artigos 1.694 e 1.724 do Código Civil.
Tal situação peculiar foi decidida nos autos do REsp 1.178.233-RJ. Duas pessoas viveram em união estável por dez anos, tendo-se estabelecido, através da escritura pública, a abdicação ao dever de mútua assistência material. À época, reconheceu-se que ambos possuíam capacidade laborativa, que lhes proporcionava rendimentos suficientes, para garantir a independência econômica de cada um. No entanto, ainda na constância do relacionamento, a mulher teve diagnosticado um câncer de pulmão, dando início ao tratamento. Ocorreu ainda, a desfeita da união estável, e assim foi ajuizada por ela ação de alimentos.
A hipótese é de prévia dispensa dos alimentos, estabelecida em declaração pública de união estável, firmada no início do relacionamento, ou seja, quando ainda existentes os laços conjugais que, por expressa previsão legal, impõem aos companheiros, reciprocamente, o dever de assistência. Além disso, no que se refere à situação econômica da mulher, tem-se que sobreveio importante alteração, ainda na constância da união, em razão da superveniência de moléstia grave, que teria reduzido consideravelmente sua capacidade para o trabalho, ocasionando-lhe sérias dificuldades financeiras.
Portanto, no momento da ruptura da sociedade conjugal, a situação que antes permitira à mulher renunciar aos alimentos já não mais existia.
As disposições legais que disciplinam o assunto, são normas de interesse público e, por isso, não admitem renúncia, nos termos do art. 1.707 do CC: “Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”. Nesse contexto, e não obstante considere-se válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião de acordo de separação judicial ou de divórcio, nos termos da reiterada jurisprudência do STJ, não pode ela ser admitida na constância do vínculo familiar.
O Enunciado 263, aprovado na III Jornada de Direito Civil, estabelece que: “O art. 1.707 do Código Civil não impede seja reconhecida válida e eficaz a renúncia manifestada por ocasião do divórcio (direto ou indireto) ou da dissolução da ‘união estável’. A irrenunciabilidade do direito a alimentos somente é admitida enquanto subsista vínculo de Direito de Família”.
Com efeito, ante o princípio da irrenunciabilidade dos alimentos, decorrente do dever de mútua assistência, expressamente previsto nos dispositivos legais citados, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, que não se pode ter como válida, disposição que implique renúncia aos alimentos na constância da união, pois esses, como dito, são irrenunciáveis, ainda que tal renuncia tenha sido feita no cartório por Escritura Pública, pois a fé pública do tabelião não revoga e lei, tampouco o Direito.
Denis Farias é advogado
E-mail: denisadvogado@hotmail.com
Artigo publicado no Jornal "O Liberal" Sábado 28 de Fevereiro, Caderno Atualidades, pág. 02
Nenhum comentário:
Postar um comentário