sábado, 22 de fevereiro de 2014

Supersalário

O teto do funcionalismo público corresponde ao salário de um ministro do STF, ou seja, R$ 29,4 mil. Alguns servidores, entretanto, acumulam, ao longo da carreira, gratificações, funções comissionadas e outros benefícios que elevam os rendimentos, ultrapassando o teto constitucional. Observando tal preceito, o Tribunal de Contas da União, no ano passado, após auditorias, determinou à Câmara e ao Senado que adotassem providências para regularizar o pagamento de remunerações que ultrapassassem o teto constitucional. As duas Casas, ao serem comunicadas, deliberaram, por meio das respectivas Mesas Diretoras, que os salários acima do teto fossem cortados, e os valores recebidos a mais devolvidos pelos servidores.

O Sindicato dos respectivos servidores moveu ação de Mandado de Segurança no Supremo Tribunal Federal contra a decisão, sustentando que as medidas fossem tomadas, sem que os servidores fossem ouvidos previamente, contrariando princípios constitucionais. E que a aplicação do teto aos servidores públicos é matéria altamente controvertida na doutrina e na jurisprudência, daí a necessidade da ampla defesa e do contraditório. Além de que, a redução repentina da remuneração, de natureza alimentar, criou embaraços ao equilíbrio dos orçamentos familiares dos servidores. E por fim, que os funcionários não tiveram oportunidade de se defender.

O relator Ministro Marco Aurélio observou que, segundo as provas trazidas ao processo, em nenhum momento a Câmara e o Senado intimaram os servidores potencialmente afetados pelo cumprimento das decisões do TCU, a se manifestarem nos procedimentos internos para tal fim. Deixou-se de observar o contraditório necessário na via administrativa. Na visão dele, os mais de 1,5 mil funcionários que recebem mais que o limite imposto pela Constituição, hoje de R$ 29,4 mil por mês, só podem ter seus rendimentos extras cortados após apresentarem suas defesas perante a Câmara e o Senado.

De acordo com ele, não se podem negar determinados direitos aos servidores, ainda que estejam recebendo salários acima do teto legal. Portanto, liberou o pagamento de supersalários no Congresso Nacional. Com a decisão, voltam a ser desperdiçados R$ 7,5 milhões por mês ou R$ 97 milhões por ano, segundo dados do Portal da Transparência, em valores de mais de quatro anos atrás. A cada cinco anos, o prejuízo com supersalários e outras irregularidades na folha de pagamentos do Congresso chega a R$ 3,3 bilhões.
A decisão do ministro obriga a Câmara e o Senado a ouvirem os cerca de 2 mil servidores em processos administrativos internos. Não há prazo determinado para a conclusão destes procedimentos. Se forem considerados casos de irregularidade, os salários, aí sim, deverão ser cortados. Não se sabe se, após iniciados os processos internos, os valores terão que ser devolvidos em caso de ilegalidade.

Contudo, o princípio da moralidade pública impõe que o administrador público, não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto.

A Constituição Federal elegeu como um de seus princípios fundamentais a moralidade como um todo, abrindo o caminho para a superação da vergonhosa improbidade e impunidade que permeia a Administração Pública. Podemos confiar em uma nova ordem administrativa baseada na confiança, na boa-fé, na honradez e na probidade com decisões judiciais desse tipo?

O princípio da moralidade pública contempla a determinação jurídica, da observância de preceitos éticos produzidos pela sociedade. É possível zelar pela moralidade administrativa, liberando o recebimento de supersalários? Que exemplo a mais alta corte judicial do país dá com esse tipo de decisão? Como se trata de decisão liminar deve ser referendada pelos demais ministros! Vamos esperar que a Corte reunida corrija o equívoco.
Denis Farias é advogado
www.denisfarias.com
Artigo publicado hoje no Jornal "O Liberal", Caderno Atualidades, Pág. 02.

Nenhum comentário: