No último final de semana fui convidado pela professora Eva Franco, para ministrar o módulo de Sistema Recursal da pós graduação em Direito Processual da Faculdade Mauricio de Nassau, na sede da OAB de Santarém/PA, cujo presidente Ubirajara Bentes Filho e sua esposa Ana Cláudia Waughan ambos carismáticos e de grande prestígio, estão fazendo um trabalho exemplar na liderança da OAB Santarenha. De pronto meu coração se encheu de júbilo, ao saber que ia voltar à maravilhosa Pérola do Tapajós e sua internacionalmente conhecida Alter do Chão, o nosso Caribe da Amazônia. Terra de pessoas bonitas e inteligentes, o curso com a participação pontual dos alunos foi um deleite de ensino e aprendizagem, sobretudo, para mim.
Estudando o sistema recursal no Processo Civil, nos indagamos: quando é que o inconformismo natural se torna um abuso do direito de recorrer?
Devemos considerar dois aspectos: a segurança jurídica e a efetividade da jurisdição. No primeiro, a pluralidade de meios de impugnação das decisões, serve para atender ao inconformismo psicológico natural da parte que perde a demanda. Mas também para evitar que erros sejam perpetuados por se confiar na infalibilidade do julgador. No outro, o excesso de recursos possíveis tende a prolongar os processos, retardando a formação da coisa julgada e a solução das disputas.
A Constituição de 1988 garante o direito à ampla defesa e aos “meios e recursos a ela inerentes”. Entretanto, quando o direito de recorrer é exercido de forma abusiva, diz-se que a parte está usando o jus sperniandi. Alude ao espernear de uma criança inconformada com uma ordem dos pais.
A legislação processual prevê sanções para o abuso do direito de recorrer. A injustificada resistência oposta pelo recorrente ao andamento de uma ação e sua insistência, em lançar mão de recursos e incidentes processuais manifestamente inadmissíveis, caracterizam a litigância de má-fé.
Procrastinar a efetivação de uma decisão pode levar a uma condenação. A multa sobre o valor da causa é uma das sanções que o recorrente sofre, por pretender apenas adiar a solução do processo. Apresentar diversos recursos protelatórios também caracteriza violação ao interesse público.
Normalmente, a multa fica em 1% do valor da causa ou da condenação, conforme o artigo 538 do CPC. Mas há casos em que o STJ decidiu ampliar a multa para 5% do valor da causa, nas situações de reprodução abusiva de recursos protelatórios.
O simples inconformismo com o resultado da decisão não pode servir de argumento à interposição continuada de recursos, especialmente diante da ausência de vícios que supostamente existiam. Vários recursos e incidentes processuais sem quaisquer fundamentos legais ou jurídicos, relacionados ao mesmo processo no tribunal configuram o abuso do poder de recorrer.
Insistir em uma pretensão protelatória pode sofrer ainda, multa prevista para o abuso do direito de recorrer no valor de 10% do valor da causa. A utilização sem critérios de recursos pode caracterizar novo abuso de direito, e a sanção aplicada é a do artigo 18 do CPC, em virtude da litigância de má-fé.
Além das multas cumuladas ainda cabe a indenização de 20% à parte que teve seu direito prejudicado. Além de ressarcimento das despesas com honorários contratuais, referentes ao período de atraso decorrente do abuso do direito de recorrer.
A jurisprudência do STJ entende que as multas do artigo 538, aplicável aos embargos declaratórios, ou do artigo 557, incidente nos agravos regimentais, não podem ser cumuladas com a do artigo 18, que trata da litigância de má-fé, que é genericamente aplicável a todas as situações em que houver abuso do direito de recorrer, até mesmo nas instâncias extraordinárias. Porém, no Recurso Especial 979.505, ficou estabelecido que essa impossibilidade de cumulação diz respeito a um mesmo recurso. O objetivo é acabar com a cultura de recorrer por recorrer.
Denis Faria é advogado e professor de Direito Processual Civil
E-mail:denisadvogado@hotmail.com
Artigo publicado no Jornal O Liberal, Caderno Atualidade, pág. 02, Sábado 15/02/14
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