terça-feira, 4 de setembro de 2012

O Abandono Afetivo e o Dever de Indenizar

Questão recorrente no seio da família moderna é aumento de mães solteiras, que criam seus filhos com muita dificuldade financeira e ainda tem que fazer o papel de pai. Outro grande desafio é a “via dolorosa” da batalha judicial para receber do pai que sai do lar, a pensão alimentícia, para complementar a renda familiar.

Contudo, será que é só do pão, só do alimento material que os filhos necessitam? Será que é somente essa obrigação, esse dever que o pai separado da mãe, tem para com os filhos?

Uma filha queixando-se e provando que o pai não cumpria com os deveres da paternidade, não lhe dava o carinho e a atenção básica durante a infância e adolescência. Nem mesmo cuidados elementares como visitas, conversas, levar e buscar na escola, etc, levou-o aos Tribunais, por meio de uma ação com pedido de indenização por danos morais em decorrência de abandono afetivo.

Questões de alta indagação jurídica foram discutidas nessa intrigante batalha judicial, pelo Superior Tribunal de Justiça, nos autos do Recurso Especial nº 1.159.242 – SP, sob a relatoria da Ministra Nancy Andrighi.

Tratou-se da aplicação das regras do instituto da responsabilidade civil, do dano moral, e do dever de indenizar e compensar, no âmbito do Direito de Família. Na visão do STJ, uma interpretação técnica e sistemática do Direito, observando os art. 5º, V e X da Carta Magna, e 186 e 927 do Código Civil, tais assuntos são tratados de maneira ampla e irrestrita.

Logo, alcançam também relações familiares. E nem a perda do pátrio poder suprime ou afasta, a possibilidade de indenizações, tampouco os prejuízos advindos do malcuidado dispensado aos filhos.

O cuidado como valor jurídico objetivo, assegurado à criança, ao adolescente e ao jovem está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro, nas linhas do art. 227 da Constituição Federal, consubstanciado no direito à alimentação, à educação, ao lazer, à dignidade, ao respeito, à liberdade e, sobretudo, à convivência familiar. Protege o infante de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Assim, uma vez comprovada que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida, fica reconhecida a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Porque viola o necessário dever de criação, educação e companhia, isto é, o dever de cuidado. Gerando, a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico ou afetivo.

É exigido dos pais um mínimo de cuidados parentais que, para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada formação psicológica e inserção social.

Segundo a Ministra Relatora, das normas constitucionais flui o entendimento científico, de que o cuidado é fundamental para a formação do menor e do adolescente. Tecnicamente não se discute a mensuração do amor, que um pai dever ter para com seu filho. Mas sim, a verificação do cumprimento ou descumprimento, total ou parcial de uma obrigação legal, qual seja o dever de cuidar.

O cuidado é uma obrigação constitucional de proteção ao menor e ao adolescente, salvaguardando-o de toda a forma de negligência. Supera-se o obstáculo da impossibilidade de se obrigar a amar, quando se discute o abandono afetivo. Não se fala ou se discute o amar. E, sim, a imposição biológica e legal de cuidar. Um dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.

Segundo a Ministra Relatora, o amor diz respeito à motivação, questão inalcançável pelo Judiciário devido à extrema subjetividade. Por outro lado, o cuidado tem elementos objetivos, possibilitando a verificação e comprovação do seu cumprimento, com avaliações concretas como, presença, contatos, mesmo que não presenciais, ações voluntárias em favor da prole, e ainda comparações entre o tratamento dado aos demais filhos, quando existirem, entre outras fórmulas possíveis, trazidas à apreciação do julgador, pelas partes.

Assim, concluiu o STJ, que amar é faculdade do genitor, no entanto cuidar é um dever do mesmo. E a comprovação que essa imposição legal foi descumprida implica na ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão, por violar o necessário dever de criação, educação e companhia, o dever de cuidado.

Devido ao grau das agressões ao dever de cuidado, do pai em detrimento da sua filha, manteve-se a condenação e arbitrou-se o valor de duzentos mil reais as serem pagos a título de danos morais.

De fato, uma decisão soberanamente sábia, pois o Tribunal atingiu a parte mais sensível de muitos homens, o bolso! E assim, após esse divisor de águas no Direito de Família, muitos homens saberão que não basta somente pagar alimentos aos filhos e filhas. Irão pensar muitas vezes, antes de tratá-los com desprezo e descuido, ainda que sejam frutos de um relacionamento extraconjugal.

Denis Farias é advogado.
E-mail: denisadvogado@hotmail.com
Este artigo também foi publicado no Jornal O Liberal, Cardeno "Direito e Sociedade", pág. 02, Terça-Feira.

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