A celeuma entre o direito de informar e a transgressão indevida à pessoa humana ganhou mais uma vez o palco do Judiciário. Os fatos noticiam que fora ajuizada em face de um jornal e de seu diretor, uma ação com pedido de indenização por dano moral. Tudo porque foi veiculada matéria entendida como ofensiva, com a seguinte epígrafe: “Motorista Bêbado Bate Carro da Câmara”. O requerente alegou que fora absolvido em sindicância interna do órgão ao qual é vinculado, não sendo confirmado seu estado de embriaguez. Alegou que, com a notícia, experimentou intenso abalo moral por ser intitulado de “bêbado”, o que se agravou devido exercer a profissão de motorista do órgão legislativo local.
Quanto ao diretor do jornal, o juízo de primeiro grau extinguiu o processo sem resolução de mérito, dada a ilegitimidade passiva. Julgando o mérito do litígio, o juízo da 3ª Vara Cível de Ponta Grossa no Paraná, julgou improcedente o pedido de dano. De fato, proferindo uma sentença categoricamente republicana e democrática.
Inconformado, o autor manejou recurso de apelação para o TJ do Paraná. Nessa Corte a lide sofreu contornos antirrepublicanos. A sentença recorrida foi reformada e o jornal foi condenado a pagar R$ - 8.000,00, pelos danos morais. Entendeu esse tribunal, que o dano ficou provado pela simples publicação da matéria intitulando o autor de “bêbado”, enquanto a sindicância o teria responsabilizado somente pela colisão e não pela embriaguez. Logo, teria o jornal laborado com negligência, não tomando as devidas cautelas para provar a veracidade das afirmações, ficando, portanto, configurada a culpa e o dever de indenizar nos termos do art. 49 da natimorta Lei de imprensa.
Felizmente, o jornal teve fôlego para levar a discussão até o STJ. Lançou mão do recurso especial mostrando em sua defesa ofensa ao artigo 186 do atual Código Civil. Defendeu a tese de ausência de culpa ou dolo. Esclareceu que simplesmente noticiou um fato gravíssimo imputado ao autor-recorrido. E que o mesmo foi punido na esfera administrativa com advertência e desconto em folha pelos prejuízos ocasionados ao erário público, sendo considerado negligente em sua conduta. Noticiando não só com o animus narrandi, mas, sobretudo, motivado por interesse público.
Para alívio geral da República, o STJ reformou o acórdão do TJ do Paraná e confirmou a sentença de 1º grau isentando o jornal de reparar quaisquer danos. Na sabedoria da Corte Especial, a notícia que atribuiu o predicado de “bêbado” ao autor-recorrido foi em homenagem ao interesse público, e não se distanciou da realidade dos fatos. A não-comprovação em sindicância administrativa, do estado de embriaguez foi inteligentemente reputada irrelevante. E por ausência de abuso de direito por parte do jornal, prevaleceu a liberdade de imprensa em detrimento da censura.
Na lúcida visão dos Ministros integrante da Quarta Turma do STJ, sob a relatoria do Ministro Luis Salomão, foi lavrado o REsp n.º 680.794-PR, e por unanimidade foi dado provimento ao Recurso Especial interposto pelo jornal. Ficou claro que não se permite a leviandade por parte da imprensa, e a publicação de informações absolutamente inverídicas ferindo a honra da pessoa. Assim como, não é razoável exigir da atividade jornalística verdades absolutas provadas previamente em sede de investigação administrativa, policial ou judicial. Na verdade, o dever de veracidade é inerente aos órgãos de imprensa, porém não deve consubstanciar-se em dogma absoluto ou condição indispensável à liberdade de imprensa. Antes, deve ser um compromisso ético com a informação verossímil, podendo, inclusive abarcar eventualmente informações não totalmente precisas. O nobre Tribunal deixou insculpido que ao irrogar ao autor o predicado de “bêbado”, o jornal agiu segundo a margem tolerável de inexatidão. Orientado pelo legítimo juízo de aparência acerca dos fatos, dentro do dever de diligência mínima que lhe é imposto e principalmente por interesse público.
Aliás, a pedra de toque para aferirmos a legitimidade na crítica jornalística é o interesse público, sempre observada a razoabilidade dos meios e formas de divulgação da notícia. O fato de não ter sido comprovado a embriaguez do autor no processo disciplinar, apenas o socorre no âmbito da esfera administrativa. Não condiciona em hipótese alguma a atividade da imprensa. A moralidade administrativa pode e deve estar sob as vistas dos órgãos de controle social e dentre o mais expressivo e eficaz: a imprensa. Na sábia decisão do STJ, a reportagem objeto do dissenso, não passou de um simples e regular exercício do direito de informar, consubstanciado em crítica jornalística que é própria e legítima nos Estado Democráticos.
O autor teve que pagar esse módico preço pelas benesses da democracia e conformar-se com os dissabores eventualmente experimentados.
Denis Farias é advogado, pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Fundação Getúlio Vargas.
Email:denisadvogado@hotmail.com.
*Esse artigo que escrevi foi publicado no Jornal O Liberal, no Caderno Atualidades, pag. 02, Edição de Sexta-feira, 09/07/2010.
Um comentário:
A CF traz como Principio Basilar a DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, no seu Art. 5, assegura o direito de resposta, proporcional ao agravo(mesma tiragem, mesmo tamanho, mesmo dia da semana), além da indenização por dano material, MORAL ou a IMAGEM, logo se configura no presente caso, a disselaração da dignidade do REQUERENTE, visto que mesmo depois de sua absorvição no PAD, NÃO FOI PUBLICADA A RETRATAÇÃO, um ponto que deve ser levado em consideração é que a IMPRENSA tornou-se o 4º PODER, que PRATICA DIARIAMENTE O PODER JURISDICIONAL, derrubando o Inciso XXXVII da Carta Magna que diz que não haverá juízo ou tribunal de exceção, porém a IMPRENSA quando publica uma materia com o titulo "MOTORISTA BÊBADO BATE CARRO DA CÂMARA", acabará de condenar o REQUERENTE perante toda sociedade, ferindo sua honra, dignidade, seu ampla defesa e contraditório. A teoria do Risco, ou Responsabilidade Objetiva, diz que a pessoa(juridica ou fisica) que tem o BÔNUS, deve arcar com o ÔNUS, e no caso em questão o JORNAL alfere lucros altissimos, com a venda dos exemplares e com as propagandas, LOGO EXISTE A OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR como reza a o CC nos seus Arts. 927, 931, 186, 187:
Art. 931. Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Mesmo que a opnião seja baseada NA FALECIDA LEI DE IMPRENSA(5.250, DE 9 DE FEVEREIRO DE 1967), o seu Art. 1, deixa claro que é livre a manifestação, porém existe a possibilidade de responsalidade pelos abusos.
Art . 1º É livre a manifestação do pensamento e a procura, o recebimento e a difusão de informações ou idéias, por qualquer meio, e sem dependência de censura, respondendo cada um, nos têrmos da lei, pelos abusos que cometer.
Logo, conclui-se que existe a obrigação de indenizar, caso contrario, a IMPRENSA vai continuar publicando o que quizer sem ao menos efetuar diligências para comprovar a veracidade dos fatos ou mesmo depois de publicado efetuar as possiveis correções, e foi infeliz a posição do STJ, que reformou a decisão do Tribunal.
Acadêmico de Direito - ESMAC
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