terça-feira, 20 de julho de 2010

A Força da Justiça Privada

Observando tão-somente o teor do art. 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, o qual determina que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, alguns juízes estão deixando de observar a Lei Federal nº 9.307/96, e a jurisprudência dos tribunais superiores.

O TJ do Rio Grande do Sul, em um caso envolvendo discussão contratual, afastou a aplicação da sobredita norma. Entendeu esse Tribunal ser indisponível a jurisdição por convenção entre particulares e que somente o Estado tem o monopólio da Justiça, dada a indisponibilidade de direitos e garantias individuais. A arbitragem só tem lugar quando já estabelecido o litígio em juízo, e as partes optarem pelo juízo arbitral. Concluiu que a cláusula contratual que adrede e abstratamente determina a submissão da resolução de litígios contratuais à arbitragem, não é absoluta. Mas sim relativa e pragmática, sob pena de ferir-se o princípio hierárquico e constitucional do monopólio estatal da Jurisdição. Com esse resultado, a discussão foi parar na arena do Superior Tribunal de Justiça por meio do Recurso Especial.

Nas razões do recurso, a empresa prejudicada sustentou que, desde o advento da Lei 9.307/96, as partes estão autorizadas a eleger a Arbitragem como foro para solução de controvérsias oriunda na vigência de um contrato. Defendeu a ideia de que o cidadão pode optar por dirimir seus conflitos fora da seara judiciária. Não havendo, inclusive, vedação constitucional para uma pessoa resolver seus entreveros por meio de sujeição à chamada Justiça Privada.

Mesmo o STF já tendo declarado que a lei de arbitragem é constitucional, ainda existe resistência por parte de alguns juízes em aceitar a aplicação desta lei. Observamos isso em decisões judiciais que afastam a aplicação do compromisso arbitral ou da cláusula arbitral, firmado entre as partes sob o fundamento de violação à garantia da universalidade da Jurisdição do Poder Judiciário.

Da interpretação art. 267, inciso VII e 301, IX do Código de Processo Civil, compreende-se que uma vez as partes litigantes se comprometendo a resolver o dissenso pelo tribunal arbitral, não pode se valer do judiciário para aplicar o direito ao caso concreto, sob pena de extinção do processo sem julgamento do mérito, quando invocada a existência de cláusula arbitral ou pactuado o compromisso arbitral. O Judiciário só será acionado para executar sentença proferida no juízo arbitral, pois os árbitros não têm o poder jurisdicional de mandar cumprir suas decisões.

O art. 1º da Lei n.º 9.307/96(Lei de Arbitragem), determina que as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Já o artigo 4º da mesma lei conceitua que “a cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir relativos a tal contrato”. Portanto, ficou sacramentado que a apreciação e pacificação dos conflitos poderá ficar ao encargo do Tribunal Arbitral, afastando-se o Poder Judiciário da apreciação da lide. Desde que as partes estejam de acordo em se submeter ao juízo arbitral ou haja um compromisso arbitral, sejam capazes de contratar e sempre que esteja em litígio direitos disponíveis.

Desde então os Tribunal superiores, sobretudo, o STJ e o STF, sempre que preenchido os requisitos e observada a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal, tem referendado as decisões dos árbitros. Ressalta-se, que para a instauração do procedimento arbitral, na forma do art. 7º da Lei 9.307/96, são indispensáveis a existência da cláusula compromissória e a resistência de uma das partes à sua instituição. Logo, tendo as partes validamente estatuído que as controvérsias decorrentes dos contratos seriam dirimidas por meio da arbitragem, a discussão sobre a infringência às suas cláusulas, bem como o direito a eventual indenização devem ser solucionados pelo tribunal arbitral.

O alcance do juízo arbitral é internacional. Pelo protocolo de Genebra de 1923, subscrito pelo Brasil, a eleição de compromisso ou cláusula arbitral imprime às partes contratantes a obrigação de submeter eventuais conflitos à arbitragem, ficando afastada a tradicional solução pela via judicial. Até porque, nos contratos internacionais, devem prevalecer os princípios gerais de direito internacional em detrimento da normatização específica de cada país. Fato que justifica a análise da cláusula arbitral sob a ótica do citado tratado internacional.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, com o voto do Ministro-Relator Paulo Furtado, nos autos do RESP 791.260-RS, à unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial determinando, que prevalece o juízo arbitral sobre o poder jurisdicional, quando preenchido os requisitos da Lei 9.307/96.

Denis Farias é advogado, pós-graduando em Direito Civil e Processo Civil pela Fundação Getúlio Vargas.
Email: denisadvogado@hotmail.com.

Um comentário:

MARCELO PAES disse...

Dr. Denis,
Meus Parabéns por mais esse maravilhoso artigo.
Fraternal Abraço
Marcelo Paes