terça-feira, 21 de outubro de 2008

Igreja Universal é inocentada

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
ACÓRDÃO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO
ACÓRDÃO/DECISÃO MONOCRATICA
REGISTRADO(A) SOB N°'01909166*


Vistos, relatados e discutidos estes autos de Embargos Infnngentes n° 7.083.742-6/02, da Comarca de São José dos Campos, em que é Embargante IGREJA UNIVERSAL DO REINO DE DEUS e Embargado GLAUCIO VERDI.


ACORDAM, em 19a Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferir a seguinte decisão "acolher os embargos infringentes, por maioria de votos, vencidos o Terceiro e o Quarto Desembargador, que fará declaração de voto.", de conformidade com o relatório e voto do Relator, que integram este acórdão Presidiu o julgamento o Desembargador PAULO HATANAKA (3o Desembargador) , e dele participaram os Desembargadores CONTI MACHADO (Relator), JOÃO CAMILLO DE ALMEIDA PRADO COSTA (Revisor), RICARDO NEGRÃO (4o Desembargador) e SEBASTIÃO JUNQUEIRA (5o Desembargador).
de maioxJe 2008 ÍAURO CONTI MACHADO Relator 2

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TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
VOTO N°: 6861
EMBARGOS INFRINGENTES N°: 7 083 742-6/02
COMARCA: São José dos Campos
EMBGTE.: Igreja Universal do Remo de Deus
EMBGDO.: Gláucio Verdi
*EMBARGOS INFRINGENTES - DEMANDA DE REPARAÇÃO DE
DANOS MORAIS.
Votos vencedores dos Desembargadores Paulo Hatanaka e Ricardo Negrão, para julgar procedente a demanda de reparação de danos morais em razão da indevida inscrição do nome do demandante em órgão de proteção ao crédito, fruto da devolução de cheque por insuficiência de fundos, reconhecendo a possibilidade da desistência de doação feita em favor da Igreja Voto vencido do Desembargador Sebastião Alves Junqueira, que mantinha a improcedência do pedido de reparação de danos morais, em função de reconhecer a culpa concorrente do demandante ou determinaria o pagamento de indenização em valor mais modesto.


CONTRATO - DOAÇÃO MEDIANTE ENTREGA DE CHEQUE PRÉ- DATADO - No ordenamento jurídico pátrio mexiste a figura de "promessa de doação", de maneira que o negócio unilateral e gratuito restou concluído com a entrega do cheque à Igreja, ainda que o título se encontrasse pré-datado - Ausência de qualquer
descrição fática capaz de implicar revogação da doação por ingratidão ou vício de consentimento. Embargos infringentes conhecidos e acolhidos.*


Trata-se de embargos infringentes opostos por Igreja Universal do Reino de Deus contra o v acórdão de f l. 241/245 que, por maioria de votos, deu provimento ao recurso de apelação interposto por Gláucio Verdi,
para o fim de reformar em parte a r sentença de mérito de f 173/174, a qual, por sua vez, reconhecendo a procedência parcial da demanda, havia desconstituído a doação praticada entre as partes, negando, contudo, direitq/à pretensa reparação de danos morais.


Ao referido recuíso défa pela eminentes Desembargadores Paulo Hatanaka e^Ricard
Embargos Infringentes n° 7 083 742-6/02- São Jbse dos Campos
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perfilhando o entendimento de que a desistência da doação, pelo doador, se
fazia cabível, haja vista o negócio ter ocorrido mediante a entrega de cheque
pré-datado, acolheu o pleito de reparação por danos morais deduzido pelo
autor, ora embargado, para o fim de condenar a ré, ora embargante, ao
pagamento de indenização fixada em R$ 300 000,00 (trezentos mil reais),
mercê da indevida inscrição do nome em cadastro de inadimplentes, em razão
da devolução de cheque por insuficiente provisão de fundos
Restou vencido, porém, o ilustre Desembargador Sebastião
Alves Junqueira (f 246), que, pelo seu voto, negava provimento ao recurso de
apelação interposto pelo autor, ora embargado, ao fundamento de ter havido
culpa concorrente de sua parte, ou, ao máximo, determinaria o pagamento de
indenização por dano moral em montante mais modesto ao arbitrado pela
maioria
Buscando a prevalência do entendimento manifestado no
voto vencido, a Igreja Universal do Remo de Deus, com espeque no art 530 e
seguintes do Diploma Processual Civil, opôs os presentes embargos
infrmgentes, alegando que a doação feita pelo embargado, mediante a entrega
de cheque pré-datado, foi válida e perfeita, pois, embora praticada
verbalmente, cuidou-se de importância de pequeno valor, seguindo-se,
imediatamente, a tradição, não havendo possibilidade de arrependimento do
ato, senão sua revogação por alguma das causas previstas em lei Pugna,
assim, pela improcedência da reparação de danos morais ou,/
subsidianamente, pela substancial diminuição do quantum arbitrado, por
/
reputá-lo manifestamente excessivo (f 259/274) /
Recurso recebido, processado e respondido (f 281/283)
É o relatório
Respeitado o entendimento em sentido contrário
manifestado pelos eménto&^Desembargadores Paulo Hatanáka e Ricardo
Negrão, tenho por bem acomSànraL^ b/i/hante /^oto /penado do culto
Desembargador Sebastião Alves Jupqi
Embargos Infnngentes n° 7 083 r742-6/)2 - São José dos Campos - Voto n° 6861 - Carina/Cnstirilt
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O contrato de doação, regra geral, é de natureza solene, na
medida em que prescreve e exige forma escrita como condição de sua
validade, seja por instrumento público ou particular (art 541, caput, CC)
Entrementes, a doação será considerada válida se,
malgrado feita verbalmente, versar sobre bens móveis e de pequeno valor,
desde que se siga, imediatamente, a tradição (art 541, parágrafo único, CC) E
essa é bem a situação retratada na espécie, presumindo-se que o importe de
R$ 1 000,00 (um mil reais) doado pelo embargado à Igreja embargante, à
míngua de qualquer comprovação de seu estado econômico e financeiro, foi de
pequena proporção frente ao seu patrimônio
A doação, portanto, foi válida e eficaz entre as partes,
valendo ressaltar que não se colhe dos autos a comprovação de que a Igreja
embargante, no momento em que recebeu a doação do embargado, tivesse
conhecimento de a eficácia do ato estaria condicionada à venda da motocicleta
deste
Ademais, como sabido, no ordenamento jurídico pátrio
inexiste a figura de "promessa de doação", de maneira que o negócio unilateral
e gratuito restou concluído com o ato de entrega do cheque, pelo embargado à
Igreja embargante, ainda que o título se encontrasse pré-datado
A ordem jurídica, da mesma sorte, também não prevê a
possibilidade de "desistência da doação" por denúncia vazia puramente
potestativa e unilateral do doador, de modo que a Igreja embargante sequer
estava compelida a ter devolver a importância doada, o que fez à guisa de
evidente liberahdade
É bem verdade que a doação pura e simples pode sej
revogada por ingratidão do donatário, cujas causas estão enumeradas ercuei
(art 557 do CC e Enunciado 33 da I Jornada de Direito Civil promovi^ pelo
Centro de Estudos Judiciários dtiTlSonselhoiJa Justiça Federal) Cocno todo e
qualquer negócio jurídico, a doaçâomratioada pefo embargado ern favor da
embargante poderia ser anulada pela pcfesença-de ví/ip cfe consentimento
Embargos Infnngentes n° 7 083 742-6 02 j - Sáo Jóse do£ Camnp>^ Voto n° 6861 - Carma/Cristina;
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(erro, dolo, coação, lesão e estado de perigo - a r t 171, II, e art 178, ambos do
CC)
No caso em exame, porém, a demanda proposta pelo
embargado não está fundamentada em revogação da doação por ingratidão da
Igreja embargante A inicial não tem como causa de pedir a descrição de
nenhuma das hipóteses preconizadas pelo citado art 557 do Código Civil A
exordial, ainda, em momento algum ventilou a presença de qualquer vício que
tenha maculado a livre, autônoma e racionai manifestação de vontade
extenonzada pelo embargado
Destarte, em não havendo descrição fática, na proemial, de
qualquer motivo apto a gerar a revogação da doação por ingratidão do
donatário, tampouco a cogitação de mácula que tenha influenciado na
manifestação de vontade declarada pelo embargado, inexiste qualquer
comportamento ilícito imputável à Igreja embargante, a qual apenas buscou
exaurir a doação recebida com a apresentação do cheque ao Banco sacado,
tendo atuado em exercício regular de um direito reconhecido (art 188, I, CC)
Ante o exposto, por fundamentos diversos ,-daqueles
lançados no voto vencido da lavra do emérito Desembargador Sebastião Alves
Junqueira, acolho os embargos infringentes, para o fim de julgar
improcedente o pedido de reparação de danos mprais deduzido pelo
embargado
Sãó Paulo,/27 de mafd de 2P08,
NEGRÃO
(4o Desembargador, com declaração de voto em separado)
Embargos Infringentes n° 7 083 742-6/02 - São José dos Campos - Voto n° 6861 - Canna/Cnstina
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DECLARAÇÃO DE VOTO VENCIDO
APELAÇÃO N° 7 083 742-6/02
COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS
Voto divergente.
Divirjo do r. entendimento da Turma Julgadora e o faço com os
seguintes fundamentos
Aplicou a douta maioria o disposto no art 541, do Código Civil
entendendo válida a doação verbal feita por fiel da Igreja Universal do Reino de Deus, em
reunião realizada em um de seus templos, declarando, ainda, que o ato do doador não se
sujeita a condição, desistência ou a revogação por ingratidão do donatário
As circunstâncias que cercam o processo em exame nos fazem afastar
desse jurídico entendimento, obrigando-nos a trilhar por vereda diversa, em atenção aos
princípios da probidade e boa-fé eleitos pelo legislador, no art. 422 do Código Civil
A "oferta", pois esse é o nome que se dá às doações levadas pelos
fiéis dos cultos religiosos aos templos em que congregam, no valor de R$ 1 000.00. foi feita
mediante preenchimento de cheque pré-datado, emitido em 10 de julho para apresentação
em 30 de julho de 2005. porque, segundo o autor, exprimia ato de fé pela venda futura de
uma motoneta que, entretanto, não se realizou.
Na data anterior ao prazo indicado no título, o autor procurou um dos
pastores da igreja e lhe informou da impossibilidade de honrar o pagamento do cheque,
entregando-lhe carta em mãos (fl. 11).
Entretanto, o cheque foi apresentado e devolvido por falta de fundos,
vindo o nome do autor a ser incluídos no rol dos devedores inadimplentes.
EMB INF N° 7 083 742-6/02 SÃO JOSÉ DOS CAMPOS - Voto 9896 - André/Fernanda/Marcelo/EstelaA7anessa
ARTES GRÁFICAS - TJ 41 0035
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Nos cultos que se seguiram, segundo declaração prestada nos autos,
em documento juntado pelo autor (fl. 47), o pastor daquela igreja teria afirmado "por várias
vezes, e em diversos cultos que Gláucio Verdi é um mal cristão que enganou a Deus! E deu
um cheque sem fundos para Igreja", (sic).
A doação como parte da liturgia não é negada pela requerida (fl 92).
insistindo a Igreja nos fundamentos espirituais da entrega feita, ao citar passagem do profeta
Malaquias (fl. 94, primeiro Parágrafo)
É, portanto, no plano das relações fiel-igreja que se deve pautar a
solução do litígio Nesse ponto, entendemos que o v acórdão infringente deixou de atentar
aos contornos ambientais em que a "oferta" se verificou.
Não é necessário citar aqui o próprio texto bíblico, alicerce da defesa
da requerida porque se assim o fizéssemos depararíamos com o ensino de Paulo, na 2á Carta
aos Coríntios, no Novo Testamento, que normatiza as ofertas que os cristãos fazem às suas
igrejas. "Porque não é para que os outros tenham alívio, e vós, sobrecarga, mas para que
haja igualdade, suprindo a vossa abundância, de modo que abundância daqueles venha a
suprir a vossa falta, e, assim, haja igualdade" (2a Coríntios, capítulo 8. versículos 13 e 14)
É evidente que as ofertas, dízimos e outras contribuições que se
fazem à igreja pelos fiéis que as freqüentam não são preço por serviços prestados, nem
podem caracterizar-se como obrigatórias diante da lei civil. São como define o art 13 dos
Estatutos da Igreja Universal, recursos que a entidade utiliza para atingir seus fins Esses
recursos - denominados bens da Igreja - são classificados em sete espécies: ofertas,
dízimos, legados, doações, juros, propriedades e tudo o mais que as leis do país permitirem
adquirir e que tenha aprovação bíblica (fl. 74, art. 13°).
Distinguindo ofertas de doações, o estatuto da igreja andou bem. As
ofertas são oferecidas em rito litúrgico próprio, individual ou coletivamente, em geral
precedida de "apelo", isto é, chamamento que o dirigente faz à congregação em meio à
pregação, convidando os fiéis a praticarem um "ato de fé'\
E, portanto, nesse contexto que devemos entender o ato praticado
pelo autor - ato com conteúdo visivelmente espiritual, como admitem os litigantes -.
realizado entre o fiel e seu Deus. Um compromisso dessa natureza, íntimo e religioso/ não
sSàí&fè^TjN0 7 ° 8 3 7 4 2 G / 0 2 S à O J 0 S É DOS CAMPOS - Voto 9896 - André/Fernanda/Marre Io/Es te Ia A'anes<.,Hl PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 3 pode ser tomado como de fonte obrigacional, mas envolve o plano das relações entre o dirigente espiritual e o membro daquela congregação. Concluímos, portanto, que, no tocante às "doações" realizadas em cultos religiosos não podem ser aplicadas as regras comuns a esse contrato. Há de se perquirir, antes de tudo, acerca do momento, do ambiente e do incentivo espiritual que motiva o fiel e, ainda, de se respeitar, nos interesses envolvidos, certa postura de decência, de fraternidade entre pessoas que congregam no mesmo templo e proclamam a mesma fé e, especialmente, ater-se à ética evangélica, que não se confunde com aquela que rege os contratos empresariais Tendo o autor declarado a impossibilidade de honrar cheque prédatado, verificou-se, automaticamente, seu desejo de não mais ofertar o quanto dispôs naquele momento anterior. Não há prejuízo à congregação, nem pode ela obrigar o fiel a honrar um compromisso espiritual. Sena o mesmo que se exigir daquele que se arrepende de um pecado, não mais pecar Na vida espiritual não há obrigações que se submetem à rigidez dos contratos, mas intenções que se espera sejam cumpridas por todos os fiéis, em respeito aos ensinos e estatutos da igreja em que congregam Ao deixar de distinguir coisas espirituais e coisas contratuais corremos o risco de nos afastarmos dos modernos limites entre o direito canônico e o direito leigo, obra notável que definiu a partir do ressurgimento do pensamento anstotélico em Tomás de Aquino. Sobre isto assim se expressa Michel Villey (A formação do pensamento jurídico moderno, Martins Fontes, 2005, p. 158): O Evangelho é, por certo, a fonte eminente de nossa moral ou. melhor, da supermoral. a das virtudes teologais - a do reino dos céus Não será certamente são Tomás quem renegará a lei de Cristo, que santo Agostinho evocara para substituir as leis da justiça paga, mas. mais preciso e metódico que santo Agostinho, reconhecerá melhor a esfera de comando que lhe é própria- o ensinamento do Evangelho não concerne à ordem temporal e às partilhas dos bens terrestres que são a matéria do direito O Evangelho não comporta regras jurídicas, judicialia, [. .] Por fim, mesmo se submetêssemos o ato espiritual praticado p^lo autor às regras contratuais, não poderíamos ignorar a existência nos autos de sérios indícios SMfttòíÍTjN0 " 0 8 3 7 4 2 " 6 / 0 2 " SÃO JOSÉ DOS CAMPOS • Voto 9896 - André/Fernanda/Ma rcelo/Estela/Vaness.4, PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO 4 no sentido de que o dirigente da mencionada entidade religiosa praticou ato que fundamenta a revogação (CC, art. 557, III). É por estes motivos que me filiei ao entendimento minoritário e. pelo meu voto, mantenho o bem lançado entendimento do eminente Desembargador Paulo Hatanaka no v. Acórdão de fl 241-245. RICARDO N E ^ Ã Ò ^ ^ ^ 4o DESEMBARGADOR ARTES

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