quinta-feira, 12 de março de 2015

Filho do Adultério

Um homem que viveu em união estável com uma mulher, e durante essa união nasce um filho e acreditando ser mesmo o pai da criança, que nasceu nesse período, assume a paternidade e registra o nascimento como se fosse o pai, porém se depois de anos descobre que o filho não era seu, que foi fruto de traição da companheira, pode ele cancelar o registro de nascimento?

A relação entre o suposto pai e a criança durou cinco anos, contudo o pai registral rompeu os laços de afetividade, tão logo tomou conhecimento da inexistência de vínculo biológico com a criança. Moveu uma ação negatória de paternidade, e pediu o reconhecimento judicial da inexistência de vínculo biológico e a retificação do registro de nascimento.

Após o exame de DNA, a mãe, que antes negava a traição, passou a dizer que o companheiro tinha pleno conhecimento de que não era o genitor. Mas mesmo assim, quis registrar o menor como seu filho.

Na sentença o juiz decidiu que a paternidade socioafetiva estava consolidada, e devia prevalecer sobre a verdade biológica. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, confirmou a decisão de primeiro grau mantendo a improcedente a ação negatória de paternidade, sob a ótica de que a criança tem no pai registral “seu verdadeiro pai” e estruturou sua personalidade “na crença dessa paternidade”.

Inconformado, o pai recorreu ao Superior Tribunal de Justiça, sustentando que foi induzido a erro pela mãe da criança, que teria atribuído a paternidade a ele.

Na Corte Superior prevaleceu a ideia de que se o homem soubesse da verdade, não teria registrado a criança.

De fato, ocorreu vício de consentimento, pois quando ele registrou a criança, acreditava verdadeiramente que ela era fruto de seu relacionamento com a mãe. Esta por sua vez, até o momento do exame de DNA alegava que o menor era filho dele e negava o ato de infidelidade. Portanto, o homem foi induzido a erro para se declarar pai no registro de nascimento.

A simples incompatibilidade entre a paternidade declarada no registro e a paternidade biológica, por si só, não invalida o registro. Sobretudo porque há casos, em que o indivíduo, mesmo ciente de que não é o pai da criança, espontaneamente declara ser o pai no momento do registro, estabelecendo vínculo de afetividade paterno-filial, como ocorre na chamada adoção à brasileira.

A existência de filiação socioafetiva, ocorre apenas quando voluntariamente, há clara disposição do pai, para dedicar afeto e ser reconhecido como tal. Isso não se aplica, quando o suposto pai incorre em qualquer dos vícios de consentimento.

Quando a adoção à brasileira se consolida, mesmo sendo antijurídica, ela não pode ser modificada pelo pai registral e socioafetivo, pois nessas situações a verdade biológica se torna irrelevante.

Agora, o que não pode é obrigar o pai registral, induzido a erro substancial, a manter uma relação de afeto igualmente calcada no vício de consentimento originário, impondo-lhe os deveres daí advindos, sem que voluntária e conscientemente o queira.

Só ocorre a filiação socioafetiva quando há vontade e voluntariedade do apontado pai, de ser assim reconhecido juridicamente. Cabe ao marido ou ao companheiro, e somente a ele, fundado em erro, contestar a paternidade de criança supostamente oriunda da relação estabelecida com a genitora, de modo a romper a relação paterno-filial então conformada, deixando-se assente, contudo, a possibilidade de o vínculo de afetividade vir a se sobrepor ao vício, caso, após o pleno conhecimento da verdade dos fatos, seja esta a vontade do companheiro.

Portanto, Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso de um homem, para permitir a alteração do registro de nascimento da criança, em que ele constava como pai. Foi desconstituída a paternidade registral diante da constatação de vício de consentimento.

Denis Farias é advogado.
www.denisfarias.com
Artigo publicado no Jornal "O Liberal", Caderno Atualidades, pág. 02, Sábado, 07 de Março de 2015.

Um comentário:

edvaldo disse...

Excelente trabalho, professor Denis