segunda-feira, 22 de junho de 2009

Defesa na Tribuna do Tribunal de Justiça do Pará

Gostaria de compartilhar com meus amigos do blog uma defesa que fiz em um processo criminal e em seguida o recurso que entrei perante o Tribunal de Justiça do Estado do Pará.

Na audiência de instrução e julgamento o juiz de primeiro grau condenou meu cliente a pesada pena de 10 anos de reclusão.

Não questionei a condenação em si, mas somente a pena que na minha opinião foi muito alta para um jovem de 20 anos.

Segue abaixo o recurso de Apelação Criminal que fiz para reformar a sentença de primeiro grau. Em seguida a decisão do Tribunal que acatou a tese que levantei e diminui a condenação para 6 anos.

Esse processo me deu muito trabalho. Tive que vestir, literalmente, a toga de advogado, e ir à Tribuna do Tribunal de Justiça do Pará e complementar a defesa. Graças à Deus, deu tudo certo. Vejamos primeiro a peça processual:

Exmº. Sr. Juiz de Direito da 3ª Vara Criminal da Comarca de Barcarena/Pa.

Proc. n.º 2008.2000.522-8




JOSÉ CRAVO DA SILVA JÚNIOR, já devidamente qualificado nos autos da AÇÃO PENAL, que lhe move a JUSTIÇA PÚBLICA, irresignado, data venia, com os termos da resp. sentença, da lavra de V. Exª, que o condenou a 10 (dez) anos de reclusão e 14 dias-multa, vem, respeitosamente, por seu advogado ao fim assinado, com fulcro no art. 593, III, ‘c’ do Cód. de Processo Penal, interpor
RECURSO DE APELAÇÃO CRIMINAL
Para superior instância, para fins de reexame e posterior reforma.


Nestes Termos,
Pede Deferimento.
Belém, 23 de Agosto de 2008.



Pp. Denis da Silva Farias
Advogado
OAB/Pa – 11.207


EXCELENTÍSSIMA SENHORA DESEMBARGADORA PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARÁ


APELANTE: JOSÉ CRAVO DA SILVA JÚNIOR
APELADO : A JUSTIÇA PÚBLICA
EGRÉGIO TRIBUNAL
RAZÕES DA APELAÇÃO


Nobre Relator,

DA TEMPESTIVIDADE

O vertente recurso está perfeitamente tempestivo, pois a sentença foi publicada em audiência no dia 19/08/2008, terça-feira. Logo, o prazo começou a fluir somente dia 20/08/08, quarta-feira. E expirou em 25/08/08, segunda-feira. Estando assim, inquestionavelmente, tempestivo.

DA NULIDADE DA DOSIMETRIA DA PENA

Não obstante, restar provado nos autos que o acusado confessou espontaneamente a autoria do crime e ainda ser menor de 21 anos, o douto magistrado a quo não ponderou devidamente a pena, condenado o recorrente a 10 (dez) anos e 14 (catorze) dias-multas, por ter praticado o delito preconizado no art. 157, §2º, inciso I e II do Cód. Penal Brasileiro.

Certamente, data venia, o juízo da 3ª Vara Penal de Barcarena não aplicou o melhor direito ao caso concreto, conforme será comprovado adiante.

Muito embora, haja no presente caso as majorantes do §2º, incisos I e II, que, respectivamente, se referem ao uso de arma de fogo e ao concurso de duas pessoas, o quantum das atenuantes foi praticamente descartado, sobretudo o da confissão espontânea, que não foi aplicada pelo juízo a quo.

Está nítido que o juízo de primeiro grau aplicou de forma irregular os acréscimos na pena. Usou duas causas de aumento, fixando a pena-base muito acima do mínimo legal, que no caso em apreço é de 1/3.

Diga-se de passagem, o decisório atacado padece de fundamentação, visto que, considera apenas critérios quantitativos. Vale lembrar, que a existência de duas hipóteses de aumento no crime de roubo, tais como: emprego de arma de fogo e concurso de agentes, não configura causa obrigatória de majoração da punição em percentual acima do mínimo previsto. Tal fato, só é admitido, quando no caso concreto existem circunstâncias que ensejam a necessidade da exasperação, o que não ocorreu no caso em apreço, nos termos do art. 68 do Código Penal. Vejamos:

Código Penal
Art. 68. A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e aumento.
Parágrafo Único: no concurso de duas causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumento ou diminua. Grifo nosso.
.
No caso em análise a própria sentença reconhece que as conseqüências foram amenizadas pela recuperação dos objetos. Na realidade Excelência, nos autos está cabalmente comprovado que o assalto ocorreu sem prejuízo algum para as vítimas, e tudo não passou de um susto, não houve ferimentos ou lesões de qualquer natureza. De fato, foi um ato impensado por parte do recorrente.

Portanto, a presença de mais de uma causa de aumento, por si só não obriga a majoração acima do mínimo prevista no art. 157, §2º, do CPB. Antes, essa norma pretende lançar mão de uma forma razoável e proporcional na dosagem da pena. Inclusive, o Art. 93, inciso IX da Constituição Federal veda o magistrado de usar simplesmente cálculo matemático, sem, fundamentar em fatos do caso concreto, de forma que demonstre a real necessidade de uma maior reprovabilidade na conduta do agente, ou seja, não pode simplesmente somar mais de uma causa de aumento.

Vale lembrar, que somente a opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime, não constitui motivação idônea para majorar a pena acima do mínimo legal, consoante inteligência da Súmula 718, do Supremo Tribunal Federal, como ocorreu no caso em apreço.

Nesse sentido, a terceira fase da aplicação da pena deve ser retificada, no sentido de diminuir de 1/2 para 1/3, devendo a pena ser fixada definitivamente em 5 anos e 4 meses de reclusão e 13 dias multa. Por conseguinte, o regime inicial de cumprimento da pena deve ser o semi-aberto. Inclusive esse é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. AUMENTO DA PENA ACIMA DO MÍNIMO LEGAL EM RAZÃO DA PRESENÇA DE DUAS MAJORANTES(EMPREGO DE ARMA DE FOGO E CONCURSO DE AGENTES). AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. INEXISTÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. RÉUS PRIMÁRIOS, DE BONS ANTECEDENTES. REGIME INICIAL FECHADO PARA CUMPRIMENTO DA PENA. IMPROPRIEDADE. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 33, § 2º, ALÍNEA B, E § 3º DO CÓD. PENAL.

1. A presença de duas majorantes no crime de roubo (emprego de arma de fogo e concurso de agentes) não é causa obrigatória de majoração da punição em percentual acima do mínimo previsto, a menos que seja constatada a existência de circunstâncias que indiquem a necessidade da exasperação, o que não se deu na espécie. Precedentes desta Corte.

2º. Fixada a pena-base no mínimo legal, inexistindo circunstâncias judiciais desfavoráveis, em se tratando de réus primários e com bons antecedentes, não é possível infligir regime prisional mais gravoso apenas com base na gravidade genérica do delito. Inteligência do art. 33, §§2º e 3º, c.c art. 59, ambos do Código Penal.

3º. Ordem concedida para, mantida a condenação, anular a dosimetria da pena aplicada aos Pacientes, fixando o acréscimo da pena, na terceira fase, pelas duas causas de aumentos, no mínimo legal, a qual fica quantificada, definitivamente, em 05 anos e 04 meses de reclusão e 13 dias-multa, estabelecido o regime semi-aberto para o cumprimento das penas impostas aos Pacientes. (grifamos).

Proc. HC 97115/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Órgão Julgador Quinta Turma, Data do Julgamento 08/05/08, Data da Publicação/Fonte DJE 02.06.2008.

Cumpre-nos ressaltar, que a atenuante de confissão espontânea não foi aplicada pelo juízo a quo, fato que contraria até mesmo entendimento do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado, consoante se comprova com o acórdão nº 68117, Proc. 2005.3006.3714, Apelação Penal, Órgão Julgador 1ª Câmara Criminal Isolada, Comarca Belém, Data 10/09/2007, Cad. 2, pág. 6, Relator João Maroja. Segue cópia anexa.



Ante o exposto, pede-se que esta Egrégia Corte, o seguinte:

a) Que o presente Apelo seja conhecido e provido no sentido anular a dosimetria da pena aplicada ao recorrente, e seja fixado o acréscimo da pena, na terceira fase, pelas duas causas de aumento, no mínimo legal e quantificada definitivamente, de 05 anos e 04 meses de reclusão e 13 dias-multa;

b) Além disso, que seja determinado como regime inicial de cumprimento da pena o semi-aberto, como medida de direito e de Justiça!

Nestes Termos,
Pede Deferimento.
Belém 23 de Agosto de 2008.


Pp. Denis da Silva Farias
Advogado
OAB/Pa – 11.207



Em seguida, veja a decisão do Tribunal acatando a minha tese e diminuindo a pena para 6 anos.


DIARIO DA JUSTICA Nº 4360, BELEM–PA, 22 DE JUNHO DE 2009 CAD 02TRIBUNAL DE JUSTICASECRETARIA DA 3ª CAMARA CRIMINAL ISOLADAATA/RESENHA DA 15ª SESSAO ORDINARIA15ª Sessao Ordinaria - 3ª Camara Criminal Isolada, realizada em 18 de junho de 2009, sob a Presidencia da Exma Sra Desembargadora THEREZINHA MARTINS DA FONSECA.
Presente os Exmos Srs Desembargadores Therezinha Martins da Fonseca, Raimundo Holanda Reis e Brigida Goncalves dos Santos, especialmente convocada Presente ainda, o Exmo Sr Procurador de Justica: Dr Luiz Cesar Tavares Bibas Ausencia justificada da Exma Desembargadora Maria de Nazare Silva Gouveia dos Santos.
Sessao iniciada as 10hs: 20min , aprovada a Ata/Resenha da sessao anterior, iniciaram-se os julgamentos:
PAG 00505 - APELACAO PENAL DA COMARCA DE BARCARENA (2008 3 010336-9)
Apelantes: Jose Cravo da Silva Junior (Adv DENIS DA SILVA FARIAS) e
Renato Tavares Reis (Adv Jose Maria Coelho da Paz Filho)
Apelada: A Justica Publica
Sustentacao Oral: Adv DENIS DA SILVA FARIAS.
Procuradora de Justica: Dra Anabela Viana Revisor: Des Raimundo Holanda Reis Relatora: Desa Therezinha Martins da Fonseca Presidente: Des Raimundo Holanda Reis T Julgadora: Desembargadores Therezinha Martins da Fonseca, Raimundo Holanda Reis e Brigida Goncalves dos Santos, especialmente convocada
Decisao:
A Egregia 3ª Camara Criminal Isolada, a unanimidade, conhece do recurso de apelacao e da-lhes parcial provimento para reformar a sentenca no tocante a dosimetria da pena e regime de cumprimento da mesma, nos termos do voto da eminente relatora
DIARIO DA JUSTICA Nº 4360,
BELEM–PA, 22 DE JUNHO DE 2009
CAD 02
TRIBUNAL DE JUSTICA
DIVISAO DE REGISTRO DE ACORDAOS
PAG 007
Acordao 78709 - Comarca: Barcarena - 3ª CAMARA CRIMINAL ISOLADA -
Data de Julgamento: 18/06/2009 -
Proc nº 20083010336-9 -
Rec : Apelacao Penal -
Relator(a): Des(a) Therezinha Martins da Fonseca -
Apelante: Jose Cravo da Silva Junior (Advs DENIS DA SILVA FARIAS e outros) e
Renato Tavares Reis - Vulgo Buga (Adv Jose Maria Coelho da Paz Filho)
Apelado: A Justica Publica
Vitima: B R M B e J P C
Procurador(a) de Justica: Anabela Viana
Ementa:
APELACAO PENAL ROUBO QUALIFICADO EMPREGO DE ARMA DE FOGO E CONCURSO DE PESSOAS - MODIFICACAO DA PENA-BASE PARA REDUZI-LA, POR ENCONTRAR-SE EXACERBADA, FICANDO MAIS PROXIMA DO MINIMO LEGAL - ALEGACAO DE QUE NAO FOI RECONHECIDA A ATENUANTE DE CONFISSAO ESPONTANEA DOS APELANTES PROVIMENTO REUS CONFESSARAM A AUTORIA DELITIVA NA FASE POLICIAL E EM JUIZO RECONHECIDA A ATENUANTE DE CONFISSAO ESPONTANEA PREVISTA NO ART 65, III, "D", DO CP - PEDIDO DE RETIFICACAO DO REGIME DE CUMPRIMENTO INICIAL DA PENA PROCEDENCIA HIPOTESE NA QUAL OS CONDENADOS A PENA SUPERIOR A 4 (QUATRO) ANOS E INFERIOR A 8 (OITO) DEVERA COMECAR A CUMPRI-LA EM REGIME SEMI-ABERTO, DE ACORDO COM O ART 33, §2º, ALINEA "B" DO CPB - O SEGUNDO APELANTE REQUER AINDA A REDUCAO DO QUANTUM REFERENTE AS CAUSAS DE AUMENTO DO §2º DO ART 157 DO CPB PARA A FRACAO MINIMA DE 1/3 (UM TERCO) PROVIMENTO PARA FIXAR O QUANTUM DAS MAJORANTES NO SEU MINIMO LEGAL -
RECURSOS PROVIDOS A UNANIMIDADE

Nenhum comentário: