Esse artigo que escrevi foi publicado no maior jornal do Norte do Pais, "O Liberal", em 08/02/09, no caderno Atualidades, pag. 02.
A Cultura do Recurso
Quando a Constituição de 1988, no artigo 5º, inciso LV, determinou que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, ficou livre o caminho para as partes em litígio manusearem recursos sempre que se acharem prejudicados com as decisões da respectiva autoridade julgadora. Incentivou-se, na prática, uma verdadeira cultura do recurso. Contudo, passados 20 anos de vigência da Carta Magna, o Judiciário ficou assoberbado de recursos, muitas das vezes protelatórios e até temerários. Fato que comprometeu significativamente a prestação jurisdicional e ainda é uma das principais causas da marca da morosidade, pela qual o poder judiciário é tão criticado.
Apesar da demora em reagir de forma significativa, as cabeças pensantes do Judiciário elaboraram as propostas de ajustes para ao menos estancar a farra de recursos interpostos para as mais diversas instâncias de julgamento. A idéia ganhou corpo com a aprovação da Lei n.º 11.672, de 8 de maio de 2008, que acresceu o art. 543-C ao Código de Processo Civil. Criou-se procedimentos para julgamento dos chamados recursos repetitivos na esfera do Superior Tribunal de Justiça – STJ, causando uma considerável fratura na chamada cultura do recurso. Esse Tribunal é o que unifica a jurisprudência no que tange a lei federal, ou seja, o entendimento dos tribunais, em matéria infraconstitucional. Assim, a nova legislação estabeleceu que são “recursos repetitivos” todos os que têm como fundamento “idêntica questão de direito”. A partir de então, sempre que forem identificados uma leva de recursos especiais com essas características, o presidente ou vice-presidente do Tribunal recorrido irá admitir um ou mais recursos para representarem a controvérsia. Estes serão encaminhados ao STJ para julgamento. Os demais ficarão suspensos até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal. A apreciação dos repetitivos se dará de forma peculiar. Será levada em consideração apenas a questão central discutida. Isso nas vezes em que o exame desta, possa prejudicar a análise de outras questões arguidas no mesmo recurso, isto é, será dado prioridade para o cerne das questões levantas nos recursos. Além disso, eles serão julgados com preferência sobre os demais, excetos os que envolvam réu preso e os pedidos de Habeas Corpus. No STJ, o Ministro Relator dos processos que representam os recursos repetitivos, para melhor formar o entendimento, pode solicitar informações adicionais aos tribunais estaduais ou federais a respeito do litígio. Tal como, dependendo da relevância da matéria, pode autorizar a manifestação escrita de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na tese a ser julgada.
Após o julgamento dos repetitivos, com o acórdão, que é a sentença dos tribunais, devidamente publicado, os demais recursos especiais fundados em idêntica controvérsia, no STJ terão o seguinte destino: a) se já distribuídos serão julgados pelo relator que poderá negar seguimento se identificar que o recurso é manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com o entendimento do Superior Tribunal. Por outro lado, poderá dar provimento ao recurso, caso a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com a jurisprudência dominante no Tribunal Superior; b) se ainda não estiverem distribuídos, serão julgados nessa mesma sistemática, porém, desta feita pelo Presidente Tribunal.
Os que foram sobrestados na origem, ou seja, nos Tribunais dos Estados ou nos Regionais Federais, serão julgados nos seguintes termos: I - terão seguimento denegado se porventura o acórdão recorrido coincidir com a orientação do STJ; II - serão novamente examinados na hipótese do acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça, caso seja mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o devido exame de admissibilidade do recurso especial.
Com essa estratégia, o STJ objetiva fazer frente ao flagelo da morosidade e atender as cobranças dos jurisdicionados. Já demonstrou pressa em levar a cabo o seu intento. Em apenas 12 dias um recurso especial repetitivo na Segunda Seção desse tribunal, foi julgado e teve o seu acórdão publicado. Foi o primeiro recurso em que foi aplicada toda a sistemática da novíssima Lei dos Recursos Repetitivos, funcionando como a maior ferramenta para desafogar o Superior Tribunal e por tabela os demais tribunais. A partir de então, centenas de casos com tese idêntica não precisam mais ser levados a julgamento coletivo, poderão ser decididos individualmente pelos Ministros e pacificada a questão, os recursos não passarão da segunda instância, diminuindo consideravelmente o número de recursos em trâmite no STJ.
No último dia 10 de setembro do ano passado, um mês após a vigência da Lei dos Repetitivos, o STJ julgando um caso típico de “idêntica questão de direito” definiu que a empresa telefônica pode cobrar pelo fornecimento de certidões sobre dados constantes de livros societários. Esses documentos são necessários para o futuro ingresso de ação judicial. Também ficou estabelecido que o interessado deve requerer formalmente os documentos à empresa por via administrativa. Essa decisão atingiu 212 recursos, que após serem identificados como repetitivos tiveram sua tramitação suspensa no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual é o Estado de onde chega a maior parte dos recursos ao Superior Tribunal de Justiça.
Apesar da sobredita Lei não conferir aos julgamentos do STJ força vinculante, com a uniformização da jurisprudência, os tribunais estaduais e federais devem passar a seguir a orientação do julgado, fato que pode estabilizar a ordem jurídica no âmbito da Lei Federal e desestimular os litígios sobre as matérias já resolvidas. Foram identificados 38 recursos especiais no STJ, para julgamento consoante a Lei dos Repetitivos. Logo, percebe-se que há pressa em enxugar os gabinetes dos Ministros. Se a Lei vai resolver o problema do volume de processos no Tribunal Superior, só o tempo vai mostrar. Contudo, é bem verdade que contra a cultura do recurso, ou seja, recorrer por recorrer, foi erguida uma grande cláusula de barreira que pode ser capaz de deter esse costume.
Quando a Constituição de 1988, no artigo 5º, inciso LV, determinou que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”, ficou livre o caminho para as partes em litígio manusearem recursos sempre que se acharem prejudicados com as decisões da respectiva autoridade julgadora. Incentivou-se, na prática, uma verdadeira cultura do recurso. Contudo, passados 20 anos de vigência da Carta Magna, o Judiciário ficou assoberbado de recursos, muitas das vezes protelatórios e até temerários. Fato que comprometeu significativamente a prestação jurisdicional e ainda é uma das principais causas da marca da morosidade, pela qual o poder judiciário é tão criticado.
Apesar da demora em reagir de forma significativa, as cabeças pensantes do Judiciário elaboraram as propostas de ajustes para ao menos estancar a farra de recursos interpostos para as mais diversas instâncias de julgamento. A idéia ganhou corpo com a aprovação da Lei n.º 11.672, de 8 de maio de 2008, que acresceu o art. 543-C ao Código de Processo Civil. Criou-se procedimentos para julgamento dos chamados recursos repetitivos na esfera do Superior Tribunal de Justiça – STJ, causando uma considerável fratura na chamada cultura do recurso. Esse Tribunal é o que unifica a jurisprudência no que tange a lei federal, ou seja, o entendimento dos tribunais, em matéria infraconstitucional. Assim, a nova legislação estabeleceu que são “recursos repetitivos” todos os que têm como fundamento “idêntica questão de direito”. A partir de então, sempre que forem identificados uma leva de recursos especiais com essas características, o presidente ou vice-presidente do Tribunal recorrido irá admitir um ou mais recursos para representarem a controvérsia. Estes serão encaminhados ao STJ para julgamento. Os demais ficarão suspensos até o pronunciamento definitivo do Superior Tribunal. A apreciação dos repetitivos se dará de forma peculiar. Será levada em consideração apenas a questão central discutida. Isso nas vezes em que o exame desta, possa prejudicar a análise de outras questões arguidas no mesmo recurso, isto é, será dado prioridade para o cerne das questões levantas nos recursos. Além disso, eles serão julgados com preferência sobre os demais, excetos os que envolvam réu preso e os pedidos de Habeas Corpus. No STJ, o Ministro Relator dos processos que representam os recursos repetitivos, para melhor formar o entendimento, pode solicitar informações adicionais aos tribunais estaduais ou federais a respeito do litígio. Tal como, dependendo da relevância da matéria, pode autorizar a manifestação escrita de pessoas, órgãos ou entidades com interesse na tese a ser julgada.
Após o julgamento dos repetitivos, com o acórdão, que é a sentença dos tribunais, devidamente publicado, os demais recursos especiais fundados em idêntica controvérsia, no STJ terão o seguinte destino: a) se já distribuídos serão julgados pelo relator que poderá negar seguimento se identificar que o recurso é manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com o entendimento do Superior Tribunal. Por outro lado, poderá dar provimento ao recurso, caso a decisão recorrida estiver em manifesto confronto com a jurisprudência dominante no Tribunal Superior; b) se ainda não estiverem distribuídos, serão julgados nessa mesma sistemática, porém, desta feita pelo Presidente Tribunal.
Os que foram sobrestados na origem, ou seja, nos Tribunais dos Estados ou nos Regionais Federais, serão julgados nos seguintes termos: I - terão seguimento denegado se porventura o acórdão recorrido coincidir com a orientação do STJ; II - serão novamente examinados na hipótese do acórdão recorrido divergir da orientação do Superior Tribunal de Justiça, caso seja mantida a decisão divergente pelo tribunal de origem, far-se-á o devido exame de admissibilidade do recurso especial.
Com essa estratégia, o STJ objetiva fazer frente ao flagelo da morosidade e atender as cobranças dos jurisdicionados. Já demonstrou pressa em levar a cabo o seu intento. Em apenas 12 dias um recurso especial repetitivo na Segunda Seção desse tribunal, foi julgado e teve o seu acórdão publicado. Foi o primeiro recurso em que foi aplicada toda a sistemática da novíssima Lei dos Recursos Repetitivos, funcionando como a maior ferramenta para desafogar o Superior Tribunal e por tabela os demais tribunais. A partir de então, centenas de casos com tese idêntica não precisam mais ser levados a julgamento coletivo, poderão ser decididos individualmente pelos Ministros e pacificada a questão, os recursos não passarão da segunda instância, diminuindo consideravelmente o número de recursos em trâmite no STJ.
No último dia 10 de setembro do ano passado, um mês após a vigência da Lei dos Repetitivos, o STJ julgando um caso típico de “idêntica questão de direito” definiu que a empresa telefônica pode cobrar pelo fornecimento de certidões sobre dados constantes de livros societários. Esses documentos são necessários para o futuro ingresso de ação judicial. Também ficou estabelecido que o interessado deve requerer formalmente os documentos à empresa por via administrativa. Essa decisão atingiu 212 recursos, que após serem identificados como repetitivos tiveram sua tramitação suspensa no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, o qual é o Estado de onde chega a maior parte dos recursos ao Superior Tribunal de Justiça.
Apesar da sobredita Lei não conferir aos julgamentos do STJ força vinculante, com a uniformização da jurisprudência, os tribunais estaduais e federais devem passar a seguir a orientação do julgado, fato que pode estabilizar a ordem jurídica no âmbito da Lei Federal e desestimular os litígios sobre as matérias já resolvidas. Foram identificados 38 recursos especiais no STJ, para julgamento consoante a Lei dos Repetitivos. Logo, percebe-se que há pressa em enxugar os gabinetes dos Ministros. Se a Lei vai resolver o problema do volume de processos no Tribunal Superior, só o tempo vai mostrar. Contudo, é bem verdade que contra a cultura do recurso, ou seja, recorrer por recorrer, foi erguida uma grande cláusula de barreira que pode ser capaz de deter esse costume.
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